Era uma vez … um cervo (veado), que liderava a sua manada – chamava-se Cervo Rei. O grupo andava há vários dias em fuga, acossados pelos caçadores que não lhes davam tréguas. A certa altura, atingiram o cume de um monte no Alto Minho com uma paisagem de cortar a respiração, com um magnifico rio e uma pequena ilha no meio – uma tal “Ilha dos Amores”. O ambiente era calmo, ficava longe do olhar dos caçadores, inspirava serenidade e confiança. Do cimo da montanha, poderiam antecipar qualquer investida humana e fugir atempadamente. Água e pastagem abundantes garantiam o seu sustento. Perceberam que era o local ideal para ficarem e por isso, batizaram-no como “Terras de Cervaria” ou seja, a terra dos cervos. Ao longo dos anos, inúmeros cervos juntaram-se a esta manada, não parando de crescer.
Convencido de que esta era a terra ideal para a sua manada, o destemido Cervo Rei declarou que nesta terra, quem mandava eram os cervos e não os homens, tal como acontecia no resto do mundo. E disse mais: para preservar a independência e integridade deste território, os cervos não iriam fugir mais. Antes, lutariam bravamente pela sua terra e enfrentariam que os quisesse perseguir. Os homens não poderiam entrar nestas terras. Os animais aclamaram em coro o Cervo Rei e juraram-lhe determinação e lealdade absoluta.
A notícia de que havia uma terra onde quem mandava era um veado e que os homens lá não podiam entrar pois era a terra dos veados, correu mundo.
E assim, o Cervo rei e a sua manada foram enfrentando todos os que quiseram tomar as “Terras de Cervaria” em diversas batalhas: romanos, bárbaros, celtas, mouros… Contudo, ao longo de todas estas batalhas, os cervos da manada foram perecendo um a um, excepto o Cervo Rei.
Certa manhã, um emissário trouxe a mensagem de um cavaleiro português que desafiou o Cervo Rei para uma luta. Se ganhasse, ficaria na posse das “Terras de Cervaria”. Mesmo sozinho – uma vez que toda a sua manada havia morrido nas várias batalhas pela conservação destas terras – o corajoso e determinado Cervo Rei, não hesitou e aceitou o duelo.
No dia e hora combinada deu-se o combate que foi renhido e sangrento. Todavia, o Cervo Rei venceu e assim, permaneceu sozinho nas “Terras de Cervaria”, onde nenhum animal ou homem podem entrar. Consta-se que o Cervo Rei teve uma longa vida…
Muitos, de visita a Cerveira, quando olham para o cimo do monte e vêm o vulto do cervo, escultura do mestre José Rodrigues, pensam que ele ainda lá está… há até quem diga que continua a vaguear pela Cervaria, porque é imortal.

Letra da canção da lenda do Cervo Rei

1

ERA UMA VEZ UM CERVO,
SEGUNDO LENDA QUE ESCUTEI
QUE OS DEUSES DO OLIMPO
QUISERAM QUE FOSSE REI
E NESTA PEQUENA FÁBULA
A TODOS A CONTAREI (CANTAREI)

2

REUNIU OS SEUS IGUAIS
EM TERRAS DE FANTASIA,
ONDE MAIS NINGUÉM MORAVA,
NEM ‘BICHO’ HOMEM HAVIA,
CHAMANDO A ESSE LOCAL
DE ‘TERRAS DE CERVARIA’.

3

MUITAS LUTAS E REFREGAS,
ENTRETANTO, OCORRERAM;
MUITOS FORAM DIZIMADOS,
DESASTRES ACONTECERAM,
FICOU SÓ O VELHO REI CERVO,
TODOS OS OUTROS MORRERAM.

4

DOS CERROS ASTURIANOS
VIERAM SENHORES LUTAR,
PARAFAZER A RECONQUISTA,
VELHAS TERRAS OCUPAR
E ÀS TERRAS DA CERVARIA
TAMBÉM VIERAM PARAR.

5

ENTÃO, UM JOVEM FIDALGO,
O REI CERVO DESAFIOU,
ENTRE ARVOREDOS E ERVAS,
A BATALHA SE TRAVOU
E, NO LUGAR DA VALINHA,
O REI CERVO É QUE GANHOU

6

TOMOU-LHE O SEU PENDÃO
COM MUITA HONRA E GLÓRIA,
SEU BRASÃO DE ARMAS FORMOU
A BANDEIRA DA VITÓRIA,
FICANDO ESSAS LEMBRANÇAS
PARA SEMPRE NA HISTÓRIA

7

MAS OS DEUSES SE ENGANARAM
E O VELHO REI, MORRERIA,
POIS NÃO ERA IMORTAL
DOENTE, CANSADO, SOCUMBIA,
E COM ELE DESAPARECERAM
AS ‘TERRAS DA CERVARIA’.

8

PARA PRESERVAR A ESTÓRIA,
FABULOSA OU VERDADEIRA,
TEM UM CERVO EM CAMPO VERDE,
EM OURO E PRATA DE PRIMEIRA
ENTRE AS HASTES UM ESCUDETE
BASANTES DE PRATA VERDADEIRA
NAS ARMAS OFICIAIS
DE VILA NOVA DE CERVEIRA.

Fernando C. Lapa

Fernando C. Lapa nasceu em Vila Real em 1950 e fez os seus estudos musicais no Conservatório de Música do Porto.
Nas últimas 3 décadas, criou perto de 300 obras que abrangem quase todos os géneros musicais: concerto, repertório sinfónico e coral-sinfónico, ópera, música de câmara, obras para instrumento solo, bandas sonoras para cinema e teatro.
Algumas das suas obras mais representativas e recentes:

  • Variações sobre o Coro da Primavera, de José Afonso, para piano, obra para uma grande massa coral e grande orquestra, sobre poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, na estreia da Sala Suggia da Casa da Música do Porto
  • No coração do Porto, sobre poema de Vasco Graça Moura, para coro e orquestra, no centenário da Universidade do Porto
  • Um verso para lá do horizonte, abertura sinfónica para orquestra, encomendada por Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura
  • o luar da minha terra (sobre excertos de Teixeira de Pascoaes), para coros e orquestra, para a Rota do Românico
  • e muitas outras peças, para os mais variados intérpretes e formações.

Algumas das suas obras são interpretadas em centenas de concertos, tanto em Portugal como no estrangeiro (Espanha, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Áustria, Polónia, Hungria, Noruega, Finlândia, Macedónia, Eslovénia, Egipto, Índia, Japão, Singapura, México, Brasil, Canadá, EUA).
Diversas obras suas foram gravadas e transmitidas pela RTP, RDP Antena 2 e outras estações de rádio e televisão nacionais e estrangeiras.
Tem partituras editadas em Portugal e na Alemanha e dezenas de obras gravadas em CD.
Leccionou em diversas escolas, como professor de Análise e Técnicas de Composição, Orquestração, Composição, e outras disciplinas, nomeadamente no Conservatório de Música do Porto e na Escola Superior de Música e das Artes e do Espetáculo do Porto.
Ligado desde há muito ao mundo da música coral, dirigiu o Coro Académico da Universidade do Minho durante 16 anos.
Tem participado como orador em inúmeros colóquios e seminários, fazendo palestras em diversas instituições, sendo convidado com regularidade para integrar o júri de diversos prémios e concursos, muitas vezes na qualidade de presidente.
Foi colaborador permanente do jornal diário Público, como crítico musical, desde 1994 até 2008. Tem textos publicados em diversos livros, revistas, jornais e rádios.
É uma honra ter Fernando Lapa no rol dos compositores do projeto Sente a História com a composição de dois corais sobre as lendas do Alto Minho.